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Resenha: Anjo Negro

LIVRO: Anjo Negro

AUTOR(A): Lyan K. Levian

PLATAFORMA: Digital e Físico

QUANT. PÁGS/CAPS.: 132 págs(impresso) ou 122 págs(eBook)

GÊNERO(S): Romance

SINOPSE: Kenan Russel é novato na escola em plena metade do 3º colegial - um verdadeiro saco, na opinião dele. Mas sua personalidade desaforada e petulância fazem com que não se sinta intimidado pelos olhares que recebe por causa de sua aparência. Já Lucio Corrêa, aluno daquela escola desde o primeiro colegial, é o extremo oposto de Kenan: vive encolhido na esperança de que não o notem. O bullying que sofre diariamente ensinou-o qual é seu lugar no mundo. Kenan vê aí uma boa oportunidade de passar o tempo: quanto mais Lucio se encolhe na cadeira com suas provocações, mais quer incomodá-lo. Porém, uma pequena atitude de Lucio faz com que Kenan comece a olhá-lo de forma diferente..

Serei sincero. Ler algo que te faz lembrar de parte das experiências que você teve ao longo da vida pode ser tanto destruidor quanto enriquecedor. Eu não poderia encontrar palavras melhores para descrever “Anjo negro”, do que essas duas.

A história se inicia com um jovem desordeiro e, um pouco fora dos padrões, Kenan Russel, se mudando para uma nova escola no meio do terceiro colegial. Por seguir um estilo um tanto quanto amedrontador e encantador ao mesmo tempo, não demora muito para que chame a atenção das garotas e dos garotos também. Sendo desse último grupo o pior tipo de atenção que ele poderia atrair: a do medo. Quando nos deparamos com algo novo e que não conseguimos compreender, nosso sentimento primário é ter medo. É assim que o ser humano sobrevive. Ele teme aquilo que não consegue entender, até que sua mente consiga trabalhar uma forma de lidar com as diferenças e novas experiências impostas a ela e se adaptar lentamente as mudanças. E assim flui a história. Kenan conhece um jovem ruivo colega de classe, Lucio Correa, por quem surge o desprezo logo de cara. Quando você já está tão acostumado a ser chutado e pisoteado pela vida, você acaba criando uma armadura quase impenetrável, fazendo isso te tornar alguém mais forte, seja emocionalmente ou fisicamente. E assim é Kenan. Ele já está tão acostumado ao modo como foi tratado ao longo dos anos, com os problemas que enfrentava em casa e na rua, que se tornou praticamente indestrutível. E, aos olhos dele, alguém como Lucio, que abaixa a cabeça sempre quando recebe uma ofensa, é uma pessoa “desprezível”, sendo um pouco rude com as palavras. Em sua própria visão, quando você se cala aos problemas que enfrenta, é como se permitisse que eles pudessem crescer e se proliferar a partir de você. Inicialmente, Kenan acredita que Lucio, que sofre bullying por um grupo de três garotos de sua classe, é alguém que não merece nada além do desprezo. Foi uma surpresa para mim, inicialmente, perceber que o livro se tratava de Kenan, e não de Lucio, algo que muda pouco tempo depois. Temos uma concepção totalmente precária e vazia até o momento em que entramos nos pensamentos de Lucio.

Seu ponto de vista é abordado de uma forma que nos choca de início, pois não imaginamos a confusão em que sua mente está no momento em que Kenan narra a história. É difícil você encontrar um romance que consiga abordar os dois lados sem fazer com que um emocional tenha mais peso do que o outro.

Ambos conseguem equilibrar a balança dos sentimentos perfeitamente. O livro também conta com ilustrações para aquelas pessoas que preferem enxergar o mesmo que o autor e entrar em uma experiência mais realista. Os sentimentos são muito bem trabalhados, deixando claro o que cada um dos personagens está sentindo e pensando. Por outro lado, a ambientação e descrição dos locais peca no nível de detalhamento, porém é algo que não devemos levar em conta quando se trata de um romance, onde os sentimentos estão sempre em primeiro lugar. Os diálogos são muito bem escritos. É impossível ler uma frase impactante e não parar alguns segundos para refletir sobre a mensagem que aquilo está realmente passando. A movimentação dos personagens, principalmente em cenas de ação, consegue nos deixar ansioso para o evento seguinte que isso desencadeará. São coisas que escritores iniciantes pecam em suas primeiras obras, mas é algo que dificilmente conseguimos encontrar. Não apenas por ser algo complicado de se fazer, mas toda a energia que você precisa transmitir em cada pequeno movimento, cada detalhe que não se pode deixar escapar, é algo incrivelmente gratificante de ser feito. Entrando um pouco mais no lado emocional dos personagens, tocarei em um assunto bastante delicado. “Anjo negro” é um romance LGBT, que fique claro isso, mas ao decorrer de minha leitura, eu percebi que aquilo não era apenas “um” romance, nem “o” romance, mas sim toda uma história de preconceito e o modo como isso afeta cada ser humano de uma forma completamente diferente. Kenan...[SPOILERS]...é gay, ele não deixa isso saltando a vista, mas nunca foi do tipo de esconder. Ele já estava tão acostumado com as indiferenças e preconceitos que tinha que lidar graças aos seus brincos, piercings, cabelos longos e roupas pretas, que isso acabou apenas se tornando um pequeno detalhe nele. Mas, não falarei sobre ele, e sim sobre o segundo protagonista, Lucio, com quem eu tenho absoluta certeza que a maioria se identificara. Lucio é o típico jovem estudante, bom aluno, responsável e tímido, que apenas comparece à sala de aula para estudar e nada mais. Ele sofre bullying de outros três jovens, em especifico Victor, seu nemesis. É difícil você ler a palavra “veado” em um tom pejorativo e não sentir seus pelos arrepiarem ou uma pontada em seu coração, porque, querendo ou não, é o adjetivo ofensivo mais usado contra os homossexuais durante boa parte da vida, o que inclui o período do colegial, um terrível pesadelo para a maioria deles. Você não apenas se identifica com toda a situação, mas se coloca no lugar de Lucio, que aguenta tudo calado. É fácil para quem está na plateia apenas dizer “reaja”, ou “faça alguma coisa. Não deixe isso acontecer novamente”, quando nós sabemos que não funciona assim. Conviver com o preconceito é algo que somos OBRIGADOS a aceitar em boa parte de nossa vida. O convívio com pessoas em que não conseguimos nos identificar de forma alguma só colabora para que isso piore. Quantos de vocês já precisaram ouvir uma piada sobre o seu peso, a cor da sua pele, sua orientação sexual e não conseguir fazer nada a respeito por ter tanto medo de apanhar na saída da escola ou ser morto a caminho de casa?!

Nós não escolhemos nascer assim, não escolhemos ser gordo, nem negro, nem homossexual. Não deveríamos ser julgados por algo que não escolhemos. E mesmo se escolhêssemos, o que dá a outra pessoa o poder de se envolver na sua vida?! A garota que é chamada de gorda pelo colega de turma, é a melhor ginasta da escola. Ela consegue fazer acrobacias que nenhuma outra garota, magra ou não, consegue. O garoto negro que você tanto julga pela cor da pele, possui a inteligência de um Isaac Newton. Quem garante que ele não será o inventor de uma nova tecnologia que mudará o mundo?! O jovem gay que você adora menosprezar por ver nele a falta de masculinidade, ama jogar futebol.

Gostar de garotos nunca o impediu de ser o melhor zagueiro do bairro. Sempre quando uma ofensa desse tipo fere alguém, é um fragmento do futuro que você está destruindo, e é isso que vemos acontecer com Lucio. Assim como Kenan, ele também já se acostumou com o preconceito, mas ele encara de uma forma totalmente diferente. Ele se fecha, não só para o mundo, mas para as pessoas ao seu redor, e ele não percebe o quanto isso está sendo autodestrutivo para si mesmo, até que Kenan surge e abre os seus olhos para o exterior. Sempre quando você lê um diálogo entre os dois juntos, torce para que um beijo apaixonado surja logo em seguida, o que não acontece por um breve período. O final, diga-se de passagem, me surpreendeu, e é muito difícil eu ser pego por um plot-twist. Quando estava no meio da trama, só consegui imaginar três finais possíveis para a história: Um dos dois morre, um dos dois vai embora ou eles terminam no final. Porque todo mundo sabe que romances gays sempre acabam ou com morte ou com alguém triste. Mas, ao contrário de tudo o que imaginei, o final é o ápice da trama. É tão surreal que você não acredita que está mesmo acontecendo. Eu poderia especular outras dezenas de finais, mas nada que pudesse se comparar a esse. O maior “defeito”, se é que posso dizer assim, que encontrei em todo o livro foi o curto período do decorrer da história.

Ela começa em uma segunda-feira de manhã e acaba na sexta-feira de tarde. São muitos acontecimentos em um intervalo muito pequeno, o que poderia ter sido alongado para um, ou dois meses, por exemplo. Mas, acredito eu, que a ideia do autor tenha sido exatamente essa. Um livro curto, mas direto. Não tendo tempo para rodeios. Apesar de que, aprofundar um pouco mais da história de Victor ou do passado de Kenan seria algo maravilhoso. Quem sabe não podemos esperar por um “Anjo negro vol.2”?! Eu espero que sim, pois minha abstinência por esse maravilhoso casal só aumenta. 

Então, se você gosta de uma história de amor curta, mas direta, com ótimos diálogos, cenas de luta e, principalmente, cenas picantes, bem picantes mesmo (fiquei até chocado durante alguns momentos, apesar de saber que a classificação indicativa é para maiores de idade) “Anjo negro” é sua escolha perfeita.


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